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Média de mortes de quilombolas dobrou durante governo Bolsonaro

O levantamento abrange o período de 2018 a 2022, identificando 32 assassinatos em 11 estados.

Três meses após o trágico assassinato de Maria Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernadete, do Quilombo de Pitanga dos Palmares, na Bahia, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Terra de Direitos divulgaram, nesta sexta-feira (17/11), um estudo preocupante sobre a escalada da violência em comunidades tradicionais.

A nova edição da pesquisa "Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil" revela que a média anual de assassinatos praticamente dobrou nos últimos cinco anos, comparando-se ao período de 2008 a 2017. A morte de Mãe Bernadete, ocorrida em agosto, não está contabilizada no estudo, que, em 2023, registra um levantamento preliminar de sete mortes.

O levantamento abrange o período de 2018 a 2022, identificando 32 assassinatos em 11 estados. Conflitos fundiários e violência de gênero foram apontados como as principais causas desses ataques. O estudo destaca que, pelo menos, 13 quilombolas foram mortos no contexto de luta e defesa do território.

Na entrega do estudo, agendada para esta sexta, as entidades pretendem sensibilizar autoridades do Executivo federal e estaduais, secretarias de Justiça dos estados, além dos Poderes Legislativo e Judiciário, para a urgência de ações efetivas diante desse cenário alarmante.

Comparando com a primeira edição da pesquisa (2008 a 2017), que mapeava 38 assassinatos em uma década, a média anual de assassinatos aumentou de 3,8 para 6,4. Em 15 anos, 70 quilombolas foram vítimas de assassinato, evidenciando a gravidade do problema que assola essas comunidades historicamente marginalizadas.

Racismo 

Segundo uma das pesquisadoras, a socióloga Givânia Maria da Silva, coordenadora do coletivo nacional de educação da Conaq, o levantamento foi feito em campo nas próprias comunidades. Ela identifica que os números vão além do que é noticiado pelos meios de comunicação e espelham uma estrutura racista da sociedade brasileira.

A questão da terra no Brasil é fundamental na discussão, assinalam as entidades pesquisadoras. ???Ao falar da política de terra, a gente vê o quanto essa questão é atravessada pelo racismo. No Brasil, a impressão que eu tenho é que falar de terra, tendo pessoas negras como proprietárias, parece que ainda é mais grave???, acentua. 

O coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, sublinha que demonstrações de racismo estrutural e institucional formam o pano de fundo da violência. Ele acrescenta que a morosidade do processo de regularização fundiária proporciona que a violência se amplie. Por isso, é necessário, explica, que a gestão pública atue tanto no combate à violência como nas ações de garantia de direitos. ???Não ter política pública gera mais violência???, opina.  

Os estados do Maranhão (9), Bahia (4), Pernambuco (4) e Pará (4) têm os maiores números de casos. ???Se a gente fosse atualizar, a Bahia estaria em primeiro lugar. A Mãe Bernadette morreu da mesma forma que o filho dela. O filho morreu reivindicando o território e ela buscando justiça pela morte do filho. ?? mais um direito silenciado a partir do assassinato???, afirmou. 

Comunidades como alvos

O filho de Mãe Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico, de 43 anos, também entende que a falta da titulação da terra propiciou o assassinato da mãe dele. ???As terras quilombolas são fontes de energia e também são alvos da grilagem e do tráfico???, disse o gestor cultural, que também é liderança do Pitanga dos Palmares. ???Minha mãe era uma representante mundial da causa e que sempre lutou pelo empoderamento feminino???, acrescenta.

A socióloga Givânia Silva entende que a pesquisa pode trazer mais visibilidade às necessidades dos governos federal e estaduais de darem mais atenção à problemática, uma vez que houve perda de orçamento para segurança pública desde 2016.  

As entidades realizadoras do estudo explicam que, além de assassinatos, o estudo traz um levantamento de violações de direitos sofridos por comunidades quilombolas em que houve identificação de morte causada por crimes. 

 Segundo a pesquisa, em 10 das 26 comunidades em que foram registrados assassinatos não há processos abertos no Instituto Nacional de Reforma e Colonização Agrária (Incra), autarquia responsável pela regularização fundiária dos territórios quilombolas. Nessa situação, sete assassinatos (70%) foram motivados por conflitos fundiários. 

Entre os 11 quilombos que estão totalmente ou parcialmente titulados, os conflitos fundiários representaram 27% dos assassinatos. O estudo chama atenção para 1.805 processos abertos no Incra para regularização fundiária de territórios quilombolas, segundo a Fundação Palmares

Proteção dos defensores

As entidades recomendam que o Estado e municípios elaborem planos de titulação dos territórios quilombolas, com metas concretas anuais, orçamento adequado e estrutura administrativa para a titulação dos territórios quilombolas. O levantamento reitera a necessidade de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos.

Nessa linha, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania reinstalou a Comissão Nacional do Enfrentamento à Violência no Campo. O grupo, em reunião nesta semana, reiterou a necessidade de consolidação da proteção coletiva de povos indígenas e quilombolas. 

A comissão pretende definir protocolo de investigação de crimes praticados ???contra defensores de direitos humanos e a morosidade das ações voltadas à reforma agrária e demarcação de territórios tradicionais que acaba por escalar tensões e conflitos???.

Os membros do grupo devem ter encontros mensais para elaborar uma proposta de anteprojeto de lei sobre a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, aos Comunicadores e aos Ambientalistas. O prazo para conclusão do trabalho é de seis meses.

A página do Incra (autarquia responsável pela titulação dos territórios quilombolas) aponta que a política de regularização fundiária de terras quilombolas é ???de suma importância para a dignidade e garantia da continuidade desses grupos étnicos???. O endereço disponibiliza documentos como o acompanhamento de processos de regularização quilombola e a relação de processos de regularização de territórios quilombolas abertos.

Dor e luto

Filho da Mãe Bernadete, Jurandir Pacífico, mesmo em dias de dor e luto, busca honrar a memória de luta da mãe. No ano que vem, pretende inaugurar um instituto que leva o nome dela com o objetivo de manter todo o legado cultural e social da mãe. Além disso, quer ajudar comunidades com documentação. 

???O instituto terá a responsabilidade de desenvolver e executar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, que é fundamental para registro e titulação das terras quilombolas???, frisou. ?? assim também que ele quer fazer valer, na prática, o que repete diariamente em sua comunidade: ???Mãe Bernadete, presente???.