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Visita técnica inicia trabalho colaborativo para requalificar a Serra da Barriga

Parceria entre órgãos do Governo Federal, Governo de Alagoas, uFAL e Prefeitura Municipal visa fortalecer a história do Parque Memorial

Equipe também teve a oportunidade de visitar a Casa Jorge de Lima - Fotos: Tatiane Almeida

Uma equipe representando diversos órgãos do Governo Federal, Governo de Alagoas, Prefeitura Municipal e Universidade Federal de Alagoas (Ufal) deu início, na última quinta-feira (23), a um trabalho conjunto para resgatar e enriquecer a história e a memória do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, situado no sítio arqueológico da Serra da Barriga, em União dos Palmares, região Serrana dos Quilombos do Estado. A iniciativa busca fortalecer os laços com o passado e promover um futuro mais inclusivo e consciente para as próximas gerações.

Entre os presentes estavam representantes do Ministério da Cultura (Minc), Fundação Cultural Palmares, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Ufal, Prefeitura de União e Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa de Alagoas (Secult), além de pesquisadores, historiadores, sociólogos e outros profissionais comprometidos com esta causa.

Durante a visita, a equipe também teve a oportunidade de visitar a Casa Jorge de Lima, residência do renomado poeta alagoano, hoje transformada em um centro cultural da Ufal. Este espaço, igualmente, será parte integrante dos esforços para revitalizar a região.

“Está sendo um dia muito especial para todos os envolvidos com essa causa que é a Serra da Barriga. Nós estamos juntos caminhando no sentido de requalificar todo esse ambiente, que tem um valor simbólico muito forte, particularmente pra gente alagoana. Oportunidades de negócios para a comunidade, oportunidade de educação, de ensino e de conhecimento para Universidade e um posicionamento forte da Fundação Palmares, que volta para reocupar seu espaço”, afirmou o reitor da Ufal, Josealdo Tonholo.

“Estamos aqui reunidos com uma grande equipe da Fundação Palmares e da Universidade Federal de Alagoas como objetivo principal repensar a requalificação do Parque Memorial. Queremos apresentar novidades no primeiro feriado nacional de 20 de novembro, não apenas para a comunidade alagoana, mas para toda a comunidade negra brasileira", destacou o diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira da Fundação Palmares, Nelson Mendes.

A secretária de Estado da Cultura e Economia Criativa de Alagoas, Mellina Freitas, ressaltou a importância da parceria para o trabalho de requalificação do local. "Esta união não só preserva um patrimônio cultural e histórico importante, mas também fortalece a identidade e a memória do nosso povo. Juntos, estamos valorizando nossas raízes e construindo um futuro mais consciente e inclusivo para as próximas gerações", disse.

"Além disso, a iniciativa impulsiona o crescimento econômico e amplia a visibilidade do nosso patrimônio em nível nacional e internacional, incentivando o turismo cultural e promovendo o desenvolvimento sustentável da região, com a geração de empregos e renda", acrescentou a gestora.

A superintendente de Políticas Culturais da Secult, Janinne Miranda, destacou o compromisso do Governo de Alagoas em fortalecer políticas culturais que preservam a identidade e celebram a diversidade do povo alagoano.

"Participar desta visita técnica à Casa Jorge de Lima e ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares é uma oportunidade única para reafirmar nosso compromisso com a preservação e valorização da nossa herança cultural. Essas visitas são essenciais para garantir que esses locais históricos recebam a atenção e os cuidados necessários, promovendo a cultura e a história de Alagoas", enfatizou.

Segundo Zezito Araújo, professor mestre da UFAL e ativista do movimento negro, que trabalha na Serra da Barriga desde a década de 80, a ideia de liberdade é o elemento central a ser considerado ao requalificar a região. Para ele, é essencial que qualquer ação de revitalização ou preservação do local esteja intrinsecamente ligada à história e à luta pela liberdade que marcam a trajetória da Serra da Barriga e de seus habitantes.

"Diante dessa nova realidade que nós estamos vivendo agora, eu acredito que o fio condutor seja a ideia de liberdade. Tudo que criamos aqui deve ter como eixo fundamental a ideia de liberdade, pois foi essa mesma ideia que fundamentou a criação do Quilombo dos Palmares. Com essa ideia de liberdade você consegue dialogar todos os conflitos permanentes que existiram entre os quilombolas e os colonizadores, que não fica só no passado, mas você traz também essa ideia de liberdade para o presente, pra relação com a população negra e não negra aqui no Brasil”, afirmou o professor.

"Agregado a ideia de liberdade, precisamos também discutir o sistema escravocrata brasileiro. Acredito que essa ponte seja essencial, porque se não a gente vai colocar elementos que não fazem parte da história, como já aconteceu anteriormente”, reforçou Zezito.

Segundo o mestre da Ufal, outro ponto fundamental é compreender que a ideia de liberdade surgiu de um determinado povo. “Não foram os africanos. Quem estiveram aqui foram os povos dos grupos linguísticos banto, do grupo étnico Ovimbundu e Umbundu. São esses pontos que devemos falar e que a gente não vê por aqui, pois foram eles que criaram os Quilombos dos Palmares”, afirmou.

Parque Memorial

O Parque Memorial Quilombo dos Palmares, situado no topo da Serra da Barriga e inaugurado em 2007, é uma verdadeira preciosidade histórica. Reconhecido como Patrimônio Cultural do Mercosul em 2017 e tombado pelo Iphan desde 1985, é o pioneiro e único parque temático dedicado à cultura negra no Brasil.

Com sua atmosfera que recria a República dos Palmares, o maior e mais organizado quilombo das Américas, o parque encanta os visitantes como uma maquete viva que reconstrói as edificações mais emblemáticas do quilombo. Com paredes de pau-a-pique, coberturas vegetais e inscrições em banto e yorubá, é possível encontrar o Onjó de Farinha (Casa de Farinha), Onjó Cruzambê (Casa do Campo Santo), Oxile das Ervas (Terreiro das Ervas), ocas indígenas e Muxima de Palmares (Coração de Palmares).

Além das construções que refletem o modo de vida da comunidade quilombola, o Memorial oferece uma experiência sensorial completa, com pontos de áudio que narram aspectos da vida no Quilombo em quatro idiomas (Português, Inglês, Espanhol e Italiano). Entre os espaços estão Acotirene, Quilombo, Ganga-Zumba, Caá-Puêra, Zumbi e Aqualtune.

Os mirantes de Acaiene, Acaiuba e Toculo, estrategicamente posicionados, proporcionam vistas deslumbrantes da Serra da Barriga. Completando o ciclo de edificações simbólicas, o restaurante Kúuku-Wáana (Banquete Familiar) oferece pratos da culinária afro-brasileira, e o Batucajé serve como palco para manifestações artístico-culturais.

O crescimento do número de visitação também impressiona. Em 2022, o parque recebeu 10.380 visitantes no primeiro semestre. No ano seguinte, em 2023, esse número subiu para 11.852, representando um aumento de aproximadamente 14,18%.

"Eu fico muito feliz em ver como as pessoas estão cada vez mais engajadas em conhecer e valorizar essa parte da nossa história. O número de visitação do Parque reflete o interesse e o desejo de fortalecer os laços com o passado e a memória do povo negro. A Serra da Barriga é um verdadeiro solo sagrado, um local que transcende sua importância histórica para se tornar um ponto de referência educacional e cultural. É um espaço que nos leva também a refletir sobre a diversidade, a nossa riqueza histórica e a valorização de nossa identidade”, disse a secretária Mellina.

Quilombo

O Quilombo dos Palmares, fundado no século 16, abrigava escravos que haviam escapado das capitanias da Bahia e de Pernambuco. No auge do século 17, esse refúgio chegou a abrigar até 30 mil pessoas, organizadas em diversos povoados conhecidos como mocambos. Entre os principais mocambos estavam Cerca Real do Macaco, Subupira, Zumbi e Dandara, sendo o maior deles habitado por aproximadamente 6 mil pessoas, quase a população do Rio de Janeiro na época.

Esses mocambos formavam uma espécie de república, onde as decisões políticas eram tomadas coletivamente pelos líderes de cada mocambo em conjunto com o chefe supremo. Esta liderança foi ocupada inicialmente por Acotirene, seguida por Ganga Zumba e, posteriormente, por Zumbi.