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Revelado: Acordo da Braskem com vítimas tem cláusulas abusivas
Obtido exclusivamente pelo Intercept Brasil, o acordo apresenta termos que estiveram sob sigilo por quase quatro anos.
Um acordo sigiloso entre a Braskem e moradores atingidos pelo afundamento de cinco bairros em Maceió revela cláusulas abusivas que blindam a empresa de culpa e até abrem espaço para processos contra as vítimas.
Obtido exclusivamente pelo Intercept Brasil, o acordo apresenta termos que estiveram sob sigilo por quase quatro anos, gerando preocupações sobre a transparência e justiça no processo de indenização.
O desastre ambiental relacionado às atividades da Braskem foi identificado em 2019, quando o Serviço Geológico do Brasil vinculou tremores de terra, rachaduras em imóveis e afundamentos ao processo de extração de sal-gema pela empresa na região da Lagoa Mundaú.
Cerca de 55 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas, e o colapso da mina 18 em dezembro de 2023 provocou novas evacuações, ampliando a área de risco em Maceió.
A Braskem, através de negociações com órgãos públicos, tornou-se proprietária da maioria dos imóveis, transferindo a posse para a empresa como condição essencial para a indenização dos moradores.
O "Instrumento Particular de Transação Extrajudicial, Quitação e Exoneração de Responsabilidade" foi assinado pelos moradores, enfatizando que a Braskem indenizou por "mera liberalidade", sem admitir culpa.
A Braskem ofereceu mais de 19 mil acordos desde 2020, parte do Programa de Compensação Financeira. Indenizações, baseadas na avaliação da própria empresa, incluem danos morais de R$ 40 mil. Moradores relatam falta de negociação e pressão devido à urgência.
Ao menos três cláusulas amenizam a responsabilidade jurídica da Braskem e intimidam as vítimas que assinaram o acordo a não questionarem seus direitos na justiça ??? nem se surgirem fatos novos na investigação que acabem por implicar a empresa nas tragédias que essas pessoas sofreram.
A cláusula três diz que os moradores concedem à Braskem ???a irrevogável quitação [???] de quaisquer obrigações??? e que nada mais poderão reclamar.
O trecho seguinte é ainda mais cruel, pois faz os moradores admitirem que as condições do acordo ???serão sempre firmes, boas e valiosas por si e seus herdeiros e/ou sucessores, quaisquer que sejam os resultados das investigações???. As vítimas ainda renunciam ???a quaisquer outros direitos eventualmente existentes, presentes ou futuros, para nada mais reclamar em tempo e lugar algum, a qualquer pretexto???.
A cláusula quatro, por exemplo, desobriga ???inteiramente a Braskem??? de responsabilidade pela tragédia, além das suas ???respectivas companhias subsidiárias, subcontratadas, afiliadas, controladoras, cessionárias, associadas, coligadas ou qualquer outra empresa dentro de um mesmo grupo???.
A Braskem ainda poderá ser investigada pelas autoridades e punida, se for o caso, mas termos como esses blindam a empresa de responder a processos movidos por milhares de famílias prejudicadas, ainda que os resultados dessas investigações revelem fatos novos sobre a tragédia.
Até sócios, diretores, presidentes, acionistas e proprietários, além de todos os empregados da Braskem ou de empresas ligadas a ela, se blindam da possibilidade de responderem a processos movidos por moradores pelos desastres ambientais em Maceió.
Pela cláusula cinco, quem assina o acordo se abstém de ???exercer, formular ou perseguir qualquer demanda, ação ou recurso, sejam civis, penais ou administrativos, perante qualquer tribunal ou jurisdição???.
Há, ainda, cláusulas eximindo a Braskem de qualquer culpa pelo que ocorreu em Maceió. O parágrafo primeiro da cláusula um diz que a empresa está propondo um acordo com ???termos vantajosos??? para o morador apenas porque quer, e não porque admite ter cometido algum erro.
A cláusula oito também reforça que as partes ???reconhecem que o pagamento da presente indenização está sendo realizada sem qualquer admissão de responsabilidade??? por parte da Braskem.
Enquanto a Braskem repousa tranquila, a possibilidade de processo judicial recai sobre as vítimas. A cláusula 18 do acordo, que trata dos documentos para tirar delas a posse dos imóveis e entregá-la à Braskem, diz que a pessoa indenizada se compromete a assinar qualquer documento que seja necessário para a transferência da propriedade, ???tão logo seja acionado pela Braskem???.
Caso se recuse ou se omita, a empresa poderá ???adotar todas as medidas, inclusive ações judiciais cabíveis em face do beneficiário, para o devido cumprimento da obrigação???.
A cláusula de confidencialidade também coloca a vítima sob possibilidade de processo, obrigando a manter em sigilo tanto o acordo quanto a ação que o valida perante a justiça e que também corre em segredo. ???Até as reuniões que tivemos, antes de assinar o documento, eles avisaram que eram sigilosas???, disse o morador com quem conversei em Maceió.
Além de o valor da indenização não reparar completamente os danos materiais e morais das vítimas, vários trechos do acordo garantem à Braskem descontar determinadas quantias da indenização. A cláusula sete menciona até o dinheiro dos caixas dos condomínios.
Questionada se isso daria à mineradora o direito de ficar alguma quantia que o condomínio tivesse em caixa, a Braskem negou que houvesse ???qualquer repasse de valores??? para ela.
Já o parágrafo quarto da cláusula um autorizava a Braskem a descontar do valor da indenização que o morador receberia alguma quantia que a empresa tivesse antecipado antes de fechar o acordo.
Isso acontecia no caso dos imóveis onde eram realizadas atividades econômicas, para compensar minimamente os prejuízos dos empreendedores afetados.
Já o parágrafo sexto ressalta ao morador que ???débitos, taxas, encargos ou tributos vinculados ao imóvel??? serão descontados do valor dos danos materiais. Machado acredita que essa cláusula favorece a Braskem, porque a empresa pode descontar da indenização as dívidas que o imóvel tem, mas conseguir descontos quando for pagá-las, principalmente as taxas de cartórios e os tributos municipais.
Quem assina o acordo declara, conforme a cláusula 12, que a Braskem ofereceu apoio complementar ao morador, referente a orientação financeira, busca de novo terreno ou moradia, apoio psicossocial e assistência técnica para retomada produtiva ou do negócio, no caso dos empreendedores.
A empresa disse que disponibilizou auxílios financeiros e uma série de serviços aos moradores da região. Parte dessa quantia, contudo, é descontada do valor da indenização, após a assinatura do acordo com a Braskem.
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